terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Filhas de Uma Deusa Menor - Dia Para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres

Fotografia da autoria de Diane Arbus

O 25 de Novembro - Dia para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres é uma data muito ambivalente; se por um lado, por dois segundos os média lhe dedicam alguma atenção - mas muito pouca reflexão - a verdade é que com ele podemos atestar o estado de coisas.
Não é pouco comum que a secundar as notícias que a UMAR avança nesta data fruto do trabalho do OMA - Observatório de Mulheres Assassinadas - se encontre a expressão de tudo o que esta data representa e não quereria representar: basta atentar na urba de indignados (por norma homens) que ao invés de reflectirem sobre um País (e não só) onde a violência entre casais é comum e conduz muitas vezes à morte de um dos elementos ( endo que o elemento feminino geralmente é o elo mais fraco) opta muitas das vezes por se insurgir sobre a especificidade deste género de notícia; é possível ler , no que a comentários diz respeito, comparações com as mortes nas estradas lamentando que aí ninguém contabilize as mortes em termos de género. Comentários destes reflectem nada mais do que uma das razões de fundo para exista este tipo de crime. Porque o preconceito de género é sempre desvalorizado como se filhas de uma deusa menor se tratassem as visadas, nunca é tempo para reflectir estas questões. Vimos a mesma tipologia de argumentos aquando da IVG, ou aquando das quotas, e porque não, recuemos um pouco mais, aquando da luta com o salazarismo, aquando dos tempos imediatamente a seguir à conquista da democracia. Nunca é tempo de tratar das questões que dizem respeito directamente às mulheres, nunca é tempo de serem pensadas ou recompensadas por uma organização política, social, cultural e religiosa que ainda assenta sob princípios patriarcais.

Este ano foram assassinadas 27 mulheres sob a mão do seu companheiro ou ex-companheiro. O número decresceu, face ao resultado do ano anterior. Contudo, não é particularmente tranquilizador, quando se regista uma acentuada subida de casos em faixas etárias cada vez mais novas. Com isto se pode depreender que o velho chavão de que a violência singra maioritariamente nos casais mais idosos, gentes de outros tempos e outra educação é, na verdade, uma falácia.
Serve tudo o que anteriormente foi dito para reafirmar a triste necessidade da existência da sinalização de dias pela erradicação da violência contra as mulheres; é urgente que estas questões comecem a ser tratadas com a gravidade que lhes é inerente. Não nos percebam mal; não confundimos Violência contra as Mulheres com Violência Doméstica; o primeiro vai para além da violência doméstica e o segundo não se esgota na figura feminina. Mas certo é que a sua maior expressão continua a ser contra a mulher. Portanto, por enquanto, um conceito não dispensa, infelizmente, o outro.

Campanha "Eu não sou cúmplice."

A RAM participou na campanha da UMAR nacional com cerca de 37 subscritores, num universo de 1453 assinaturas. A UMAR Madeira agradece às pessoas que aderiram e deram o nome por um compromisso pessoal contra a violência. Queremos crer que são muitos/as mais.
Por isso, após este balanço ao fim de um ano, lembramos que a campanha ainda aceita subscrições.

AFASTE-SE O AGRESSOR!

A violência doméstica voltou a ser notícia nos últimos dias . Muitas páginas foram escritas (e algumas muito bem escritas) mas o que ninguém consegue propor são medidas concretas para acabar com este estado de coisas, sobretudo como manter o agressor afastado da vítima.

Tenho defendido desde há muito tempo, e sei que a minha posição não tem muitos adeptos/as, que quem devia ser afastado da residência comum devia ser o agressor. Nunca me pareceu bem que quem é maltratado é que tenha que fugir e quem agride continue bem instalado na conforto do lar, dando-se muitas vezes ao luxo de fazer chantagem sobre a vítima, sabendo que ela não tem recursos para se governar sozinha.

Nunca consegui entender como é que a lei que considera correctamente, que o exercício de violência doméstica seja considerado um crime público, permita que seja a vítima que tenha que fazer prova da agressão, desde que o agressor não seja apanhado em flagrante delito. Gostava que me explicassem como pode ser apanhado em flagrante delito alguém que passa anos a exercer violência psicológica, e mesmo sexual, alguém que agride pela calada, que dorme com armas debaixo da almofada, que perante estranhos e familiares até é um sedutor para disfarçar muito bem os seus instintos de agressor.

Quantas vezes culpamos a mulher por dizer mal do companheiro que nos parece “tão boa pessoa” sem sequer imaginarmos o que se passa no seio familiar. Quantas vezes é mais fácil nos rendermos à sedução do agressor do que defender a vítima. É mais fácil e é mais cómodo e lá cumprimos o ditado “entre marido e mulher ninguém meta a colher”. Já disse em anteriores escritos, por mim, vou meter sempre a colher, porque esse é o meu dever cívico, e por isso mesmo, considero que é urgente alterar a lei, para permitir a saída do agressor da casa comum e proteger a vítima, e muitas vezes os filhos comuns, que acabam por ser também atingidos por esta tragédia.

As casas de abrigo tiveram o seu papel, e têm, enquanto não existirem medidas mais radicais quanto aos agressores. O que é fundamental é dizer a quem errou, “agredistes tens que sair, procura outro lugar para viveres”, porque aqui fica a mulher e os filhos enquanto te mantiveres um agressor. É uma posição radical? Claro que é. Mas não é mais justa? Claro que é. É preciso tomar outras medidas complementares para manter o agressor afastado da casa. Avisos do Tribunal, pulseira electrónica, dias de detenção, tudo vale, mas para quem cometeu o erro e não para quem é que foi vítima desse erro.

Não posso tolerar a ideia da vítima é que tem que se esconder, é que tem que fugir, é que tem que apresentar queixa com testemunhas, é que tem que se deslocar à polícia, mesmo quando esta é chamada e o agressor esconde-se para não ser apanhado em flagrante delito. Isto está tudo errado porque a vítima muitas vezes sente uma vergonha e um medo tão grandes que prefere fugir e desaparecer a ter que enfrentar estranhos.

Sei que algumas pessoas vão dizer que isto é muito difícil de executar, que isto obriga a uma mudança de mentalidades, blá, blá,blá. etc... Confesso que já estou farta de ouvir sempre os mesmos argumentos e até ler sempre a mesma coisa, sem que haja a coragem de se ir mais além, para realmente ajudar quem precisa de ajuda, e não deixar a rir quem comete o mesmo erro, durante anos seguidos, muitas vezes com o silêncio cúmplice da própria lei e da sociedade em geral.

Guida Vieira, artigo publicado no DN Madeira